Thursday, June 24, 2010

Parto Normal vs. Cesárea (parte 1): a magnitude do problema

Escrito por Dra. Melania Amorim, e originalmente postado no website Guia do Bebê.

"Ao longo das últimas décadas, as taxas de cesárea têm se elevado em todo o mundo, chegando a atingir taxas superiores a 50% em alguns países da América Latina (1). Esta elevação tem sido vista com preocupação por muitos profissionais de saúde e organizações internacionais incluindo a Organização Mundial de Saúde, uma vez que cesarianas desnecessárias podem se associar a riscos maternos e perinatais (1).

A cesariana bem indicada tem efeitos benéficos documentados e representa em nossos dias um procedimento relativamente fácil e seguro, uma vez que estão disponíveis técnicas seguras de antissepsia e anestesia, além do acesso amplo ao uso de antibióticos e transfusões de sangue. Todos esses avanços culminaram em popularização da operação cesariana nos países desenvolvidos a partir da primeira metade do século XX, resultando inicialmente em significativa redução das complicações relacionadas com o parto, bem como em declínio importante da mortalidade materna e neonatal (2).


Verifica-se uma ampla variação regional entre as taxas de cesariana, com as menores taxas nos países pobres, especialmente no continente africano. Embora as taxas ideais de operação cesariana não sejam bem definidas, estima-se que o risco de morte materna é muito elevado em países onde a incidência de cesariana é menor que 5%, refletindo a falta de profissionais qualificados para assistência ao parto e a falta de acesso da população aos serviços de saúde (3).

O grande problema na atualidade é que diversos estudos apontam que taxas de cesariana superiores a 15%-20% não resultam em redução das complicações e da mortalidade materna e neonatal e, ao contrário, podem estar associadas a resultados prejudiciais tanto para a mãe como para o concepto (1, 4, 5).

Nos Estados Unidos da América, a cesariana aumentou de 20,7% em 1996, para 31,8% em 2007 (6). Entretanto, nos países europeus, especialmente no Norte da Europa, que apresentam taxas mais baixas de cesariana, em torno de 20%, melhores resultados maternos e neonatais têm sido obtidos (5). Taxas muito elevadas de cesariana podem representar a causa do excesso de mortalidade materna em alguns países desenvolvidos, uma vez que, excedendo substancialmente 15%, os riscos para a saúde reprodutiva passam a superar os benefícios (5).

Em alguns países da América do Sul a frequência de cesarianas já chegou a 80% no setor privado (1), apresentando associação direta com a renda per capita do país (7). Além das condições financeiras, os determinantes das cesarianas são bastante complexos e podem incluir mitos e convicções dos médicos, bem como características sociais e culturais das pacientes (8).

No Brasil, as taxas de cesárea mantêm-se em ascensão desde a década de 70 e atualmente correspondem a 46%, porém variam bastante entre as regiões, principalmente quando se compara a assistência realizada pelo Sistema Único de Saúde com a assistência privada. A taxa de cesarianas no setor de saúde suplementar chega próximo de 80%, enquanto no Sistema Único de Saúde fica em torno de 30% (9).

Os problemas decorrentes do excesso de cesarianas foram demonstrados em diversos estudos recentemente publicados. Ultrapassando-se o limite de 15% a 20%, cesarianas estão associadas com maiores taxas de mortalidade materna, aproximadamente quatro a cinco vezes maiores que o parto vaginal (1, 4, 5, 10) e também resultam em maiores riscos de complicações e morte neonatal (1, 4, 5). Esses riscos permanecem elevados quando se controlam fatores potencialmente confundidores, como a indicação e o grau de urgência da cesariana (11-13). O que se verifica é que mesmo em gestantes saudáveis, de baixo-risco, a cesariana eletiva (realizada antes do trabalho de parto) sem indicação médica definida está associada com aumento do risco materno e neonatal (13).

Mulheres submetidas a cesarianas apresentam aumento do risco de nova cesariana, de placenta prévia e placenta acreta nas gestações seguintes, além do risco de histerectomia por cesarianas repetidas (14). Para os bebês, especialmente nas cesáreas eletivas, ocorre aumento do risco de complicações, especialmente admissão em unidade de terapia intensiva neonatal e desconforto respiratório (11-13), que podem ser reduzidas se a cesariana eletiva for realizada acima da 39ª semana de gravidez (13).

Nos próximos artigos publicados nesta coluna, discutiremos por que as taxas de cesárea são tão elevadas no Brasil. São as mulheres que pedem a cesárea ou há um abuso de indicações não-baseadas em evidências pelos obstetras? Quais os pretextos frequentemente utilizados para operação cesariana? Quais as reais indicações de cesárea?"

Melania Amorim, MD, PhD


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